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Eternizada nas letras: Nélida Piñon

Primeira mulher a presidir a Academia Brasileira de Letras, Nélida Piñon faleceu no último dia 17, em Portugal.


Créditos de imagem: Leo Martins

Vida e obra entrelaçadas


Nélida Cuíñas Piñón nasceu em 3 de janeiro de 1937, no Rio de Janeiro. Recebeu o nome “Nélida” como uma homenagem a seu avô, Daniel, através de um anagrama de seu nome.


Desde criança tinha uma relação estreita com os livros — e com as histórias. Seu pai, um comerciante, também era amante da literatura.


A paixão de Nélida a levou ao curso de Jornalismo na PUC do Rio de Janeiro. A partir daí, foi editora assistente da revista Cadernos Brasileiros (1966-67); membro do Conselho Consultivo da revista Tempo Brasileiro (1976-1993), da revista Impressões (1997), dos Cadernos Pedagógicos e Culturais (1993); membro do Conselho Editorial da revista Imagem Latino-Americana (Caracas, 1993), da Encyclopedia of Latin American Literature (Inglaterra, 1994), da Review: Latin American Literature and Arts (Nova York, desde junho de 1995) e colunista semanal do jornal O Dia (Rio de Janeiro, desde 1995). Além disso, chegou a ocupar cargos em entidades culturais na cidade do Rio de Janeiro.


Em 1961, aos 24 anos, publicou seu primeiro livro, o romance ‘Guia-mapa de Gabriel Arcanjo’, que aborda temáticas como o pecado, o perdão e a relação dos mortais com Deus, o que acontece por meio do diálogo entre o protagonista e seu anjo da guarda.


Seu segundo livro, ‘Madeira Feita Cruz’, foi publicado dois anos depois, em 1963, e Nélida voltou a publicar um novo livro apenas em 1969.


Mas foi em 1972 que publicou uma de suas obras mais conhecidas: ‘A casa da paixão’, com uma protagonista destemida e passional, que contrariava o que supostamente deveriam seguir as mulheres da época.


Créditos de imagem: Grupo Editorial Record

‘A casa da paixão’ ganhou o Prêmio Mário de Andrade da Biblioteca Nacional, como melhor livro de ficção, em 1973, e foi elogiado por grandes nomes da literatura nacional, além de ganhar tradução para o inglês e chamar atenção da escritora estadunidense Toni Morrison, justamente pela abordagem diferente da sexualidade feminina.


Sobre o livro, Carlos Drummond de Andrade declarou: “Que força de raiz em A casa da paixão, que esplendor de vida impetuosa e gritando por todas as palavras!


Homem que for herdeiro do meu corpo eu acusarei em via pública, eu o derreterei com meu suor, eu o acusarei de assassino, inocência também enxergarei em sua carne, uma inocência perigosa conhecendo o perigo, chamas sou, chamas, mas ele veio porque o pai trouxe, o pai sabia, breve eu perco a filha, a filha se fez para salvar o universo, e não alterar seus eixos. E trouxe o homem, um garanhão de prata, moreno escuro, gigante de caverna, crocodilo da minha carne, serpente do meu ventre, e eu o odeio, o pai pensou, a filha não se decidindo eu decido por ela.

— Trecho de 'A Casa da Paixão'.



Até 2020, Nélida Piñon continuou publicando novos livros, com outro grande destaque em 1984: a obra ‘A República dos Sonhos’.


Créditos de imagem: Grupo Editorial Record

No romance, o protagonista, Madruga, um adolescente camponês da Galícia — comunidade de origem da família de Nélida — deixa a terra natal para embarcar rumo ao Rio de Janeiro, ao lado do companheiro Venâncio. A partir de um emprego humilde numa pensão da Praça Mauá, a vida de Madruga descreve uma trajetória de êxitos e fracassos que põem à prova seus ideais de liberdade e felicidade através dos anos e com sua ascensão social. Décadas depois, cabe à sua neta, Breta, juntar os fragmentos e reconstituir a história de sua família, que se mistura à história do país.


A obra traz nuances de todas as formas em sua narrativa, que não segue ordem cronológica. As diferenças entre gerações e entre gênero, por exemplo, são fortes marcas na história. 


Em entrevista, em 2020, Nélida se declarou "uma feminista histórica": "Os meus primeiros livros já são feministas. Acho o movimento essencial. É o que vai conciliar a sociedade e igualar os direitos. Não é para fazer das suas propostas políticas batalhas anticivilizatórias. Posso entender alguns excessos, mas não todos. Lutamos pela igualdade de forma rigorosamente elegante, de tal forma que nós, as mulheres que entraram na Academia, damos exemplos aos acadêmicos do que eles perderam sem a nossa presença".



Academia Brasileira de Letras e honrarias


Créditos de imagem: Mauro Pimentel

Em 27 de julho de 1989, depois de ter publicado 10 livros, Nélida foi eleita para ocupar a cadeira de número 30 — cujo patrono é Pardal Mallet — da Academia Brasileira de Letras, tomando posse em maio seguinte. 


Seis anos depois, tornou-se a primeira mulher a presidir a Academia. De acordo com a própria ABL, o marco não é apenas nacional: Nélida seria a primeira mulher a presidir qualquer Academia de Letras no mundo.


Nélida deu cursos na City University of New York, na Columbia University, na John Hopkins University em Baltimore, na Universidade Católica de Lima, na Sorbonne, na Universidade Complutense de Madri, e em outras universidades internacionais.


Foi titular da cátedra Henry King Stanford, da Universidade de Miami, entre 1990 e 1991, tendo concorrido à vaga com mais de 80 intelectuais. 


Sua obra foi traduzida para diversos idiomas — além do inglês —, chegando a países como Alemanha, Itália, Espanha, União Soviética, Estados Unidos, Cuba e Nicarágua e destacando a potência universal de sua obra, o que foi corroborado pelos títulos de Doutora Honoris Causa que recebeu da Universidade de Poitiers, na França; Universidade de Santiago de Compostela, Espanha; Universidade Atlântica da Flórida, Estados Unidos; Universidade de Montreal, Canadá e PUC de Porto Alegre.


Em sua biografia, constam mais de 20 prêmios nacionais e internacionais, e mais de 40 condecorações nacionais e internacionais.


É preciso aprender com essa imortal humildemente. Certeira, impiedosa, ela ensina a respeitar os latidos da alma que protesta. É preciso aprender com ela a falar de amor e de amizade. E do destino, história e trajetória da humanidade.

— Gazeta.


"A tarefa de me emudecer vai ser da morte ou da doença"


A frase foi dita por Nélida em entrevista à Ela, à época do lançamento de 'Um Dia Chegarei a Sagres', em 2020.


Créditos de imagem: Grupo Editorial Record

Sobre o livro, que foi seu timo romance publicado, declarou: "Cada livro tem uma vocação. (...) A cada dia, tenho a sensação de entender melhor os oprimidos e os miseráveis. O livro é feroz. Quis que o personagem provasse que as utopias não são um privilégio dos ricos, dos que vão inaugurar o mundo oficialmente, dos que vão pegar os barcos e ir a todos os lugares. São um privilégio humano".


Aos 83 anos, falava sobre o erotismo com naturalidade, como sempre fez. Quando questionada sobre isso, Nélida afirmou que "a sociedade não enseja que o ser humano possa expandir seu erotismo, que, de certo modo, é condenado", ressaltando ainda que o erotismo "além de ser físico, é verbal, concentra-se numa grande percepção do mundo. E algo de alto refinamento. Está ao alcance de todos.


Na marcante entrevista, Nélida Piñon também falou sobre a morte.


Peço a Deus que eu seja elegante na minha morte, não seja escandalosa, não fraqueje. Quero partir deixando um legado.

— Nélida Piñon


"Somos muito distraídos em relação à nossa vida. Nesse sentido, acho que a velhice é uma trégua maravilhosa, para você ter a coragem de viajar ao passado. Atualmente, é raro o dia em que não penso em minha mãe. Fico impressionada ao me dar conta de que fui um projeto dela. Também tenho pensado em nomes que tinham desaparecido ao longo da vida. Não vejo isso como uma despedida, mas como a necessidade de me por al día".


A escritora faleceu aos 85 anos, em Lisboa, em decorrência de problemas nas vias biliares, e chegou a passar por uma cirurgia de emergência, mas não resistiu.


Nélida Piñon era filha única e não deixou filhos, apenas suas duas cachorrinhas de estimação, Suzy e Pilara. As duas são as únicas herdeiras do patrimônio da autora, e permanecerão sob a guarda da assistente pessoal de Nélida.


Nélida Piñon e Gravetinho | Créditos de imagem: ABL

Gravetinho, cão de Nélida falecido em 2017, descansará ao lado da tutora, tendo suas cinzas enterradas ao lado do caixão da humana que amou durante seus 11 anos.



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