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  • Foto do escritorHellica Miranda

Mulheres afegãs sobrevivendo ao Talibã

Grupo extremista vai ainda mais longe proibindo que mulheres trabalhem em grupos de ajuda humanitária.



Algumas semanas desde o decreto do governo Talibã, mulheres em todo o país enfrentam o desaparecimento da ajuda em que suas famílias — e o país confiaram — desde que o país mergulhou em uma crise humanitária.


De acordo com o jornal The New York Times, "tem sido uma tragédia dupla para o Afeganistão e para as mulheres afegãs em particular". Isso porque antes mesmo do Talibã retomar o poder, em 2021, o conservadorismo do país já restringia a vida de meninas e mulheres que, hoje, sob o regime extremista, não podem mais frequentar universidades, por exemplo. Também foram emitidos decretos que proibiam mulheres de exercerem diversas profissões no país.


Com toda essa restrição, muitas mulheres encontraram um pouco de liberdade através dos grupos de ajuda humanitária, que visa, sobretudo, a distribuição de alimentos e itens de necessidade básica à população mais vulnerável.


O novo decreto, no entanto, proibiu que mulheres trabalhem na maioria dos grupos de ajuda locais e internacionais.


Espera-se que dois terços da população — ou 28,3 milhões de afegãos — precisem de algum tipo de assistência humanitária este ano, à medida que uma crise de fome se aproxima do país, de acordo com estimativas das Nações Unidas.


Entendendo o Talibã e seu retorno ao Afeganistão


Créditos de imagem: Brasil de Fato

Em 15 de agosto de 2021, o grupo extremista Talibã tomou a capital afegã, Cabul, retornando ao poder quase 20 anos após ter sido expulso do país por tropas estadunidenses.


Essa retomada só foi possível graças à decisão dos Estados Unidos de retirarem suas tropas definitivamente depois de duas décadas, abrindo espaço para o avanço do grupo e subsequente derrubada do governo — que apresentou pouca resistência.


O Talibã, em si, é um grupo formado no fim da união soviética no Afeganistão, por estudantes que interpretavam o Alcorão (livro sagrado do Islã) de forma rígida, inclusive nas práticas políticas.


"Talibã", inclusive, significa "estudantes" em pashto, uma das línguas faladas no Afeganistão.


Em 1996, o Talibã conseguiu assumir o controle sobre a maior parte do país, após a dissolução da União Soviética — em 1991 — e com o estado de "abandono" por parte dos Estados Unidos — que haviam feito promessas de reconstrução do país afegão após a Guerra.


No começo, o governo Talibã foi relativamente bem visto, sobretudo pelo sucesso em reduzir a corrupção, coibir a criminalidade e outras ações de segurança e economia.


No entanto, logo passou a proibir que mulheres trabalhassem ou estudassem, tornou obrigatório o uso da burca e popularizou o apedrejamento público de mulheres acusadas de adultério.


O regime também proibiu músicas, filmes, livros e diversos outros produtos culturais, chegando a ordenar a queima da Biblioteca Central de Cabul.


Um dos ataques mais conhecidos do grupo foi em outubro de 2012 contra a estudante Malala Yousafzai, baleada aos 15 anos, na cidade de Mingora, no Paquistão, por defender o direito das mulheres de estudar. 



A queda do Talibã ocorreu após os atentados de 11 de setembro de 2001, quando dois aviões comerciais sequestrados foram arremessados contra as torres do World Trade Center, em Nova York, causando a morte de cerca de 3 mil pessoas.


O grupo Talibã foi acusado de abrigar fundamentalistas da Al-Qaeda, liderada por Osama Bin Laden e responsável pelos ataques. Acreditava-se que, além de dar refúgio aos membros da organização e permitir que o Afeganistão fosse usado como base, o Talibã financiava a Al-Qaeda.


Em resposta aos ataques, os Estados Unidos lideraram uma coalizão que invadiu o Afeganistão em 2001, com ataques aéreos e bombardeios, derrubando, mas não encerrando, o Talibã.


Quando Donald Trump, crítico da presença militar dos Estados Unidos no Afeganistão, assumiu o cargo em 2016, prometeu tirar as tropas estadunidenses do Iraque e do Afeganistão. Ao mesmo tempo, os ataques do Talibã se intensificavam.


Em fevereiro de 2020, Trump negociou um acordo de paz com o Talibã, no Catar, comprometendo-se a retirar as forças militares do país e libertar cerca de cinco mil prisioneiros talibãs. Já o grupo extremista prometeu não atacar as forças americanas e não permitir que qualquer grupo ou indivíduo, incluindo a Al Qaeda, usasse o Afeganistão para ameaçar a segurança dos Estados Unidos.


Em abril de 2021, o atual presidente norte-americano, Joe Biden, anunciou que todas as tropas americanas deixariam o país até 11 de setembro. A retirada das tropas, considerada precoce, preocupava especialistas, autoridades e o povo afegão a respeito da vulnerabilidade do governo e da população sem o apoio internacional contra o Talibã.


Em maio, começaram as investidas dos extremistas. Em julho, o grupo já havia tomado metade do território afegão e, no início de agosto, praticamente todas as grandes cidades estavam sob domínio do Talibã.


Conselho de Segurança da ONU denuncia proibições do Talibã a mulheres


Em 27 de dezembro do ano passado, o Conselho de Segurança das Nações Unidas pediu pela participação plena e igualitária de mulheres e meninas no Afeganistão, denunciando a proibição do governo Talibã de que mulheres frequentem universidades ou trabalhem para grupos de ajuda humanitária.


O conselho disse que a proibição de mulheres trabalhadoras humanitárias, "teria um impacto significativo e imediato nas operações humanitárias no país", e declarou que "essas restrições contradizem os compromissos assumidos pelo Talibã com o povo afegão, bem como as expectativas da comunidade internacional".


Ativismo feminino no Afeganistão


Ramzia Abdekhil, ativista afegã pelos direitos das mulheres | Créditos de imagem: Lorenzo Tugnoli/The Washington Post

Em agosto de 2022, o The Washington Post publicou o artigo "How Afghan women took on the Taliban, as told through their text messages" ("Como as mulheres afegãs dominaram o Talibã, de acordo com suas mensagens de texto", em tradução livre para o português). Nele, somos apresentados à ativista Ramzia Abdekhil, que, logo após a tomada do poder por parte do Talibã, criou um grupo de WhatsApp chamado "Powerful Women" ("Mulheres Poderosas", em português).


O grupo começou a se reunir para protestar, mas logo foi interrompido por combatentes extremistas. No entanto, continuou voltando às ruas, ao passo que a repressão se tornava mais e mais brutal.


Com isso, muitas mulheres deixaram o movimento, se esconderam e até fugiram do país, contribuindo com a dissolução de muitos grupos protestantes.


Hoje não é dia de ficar em silêncio.

— mensagem no grupo de protesto afegão "Powerful Women".


A maioria das mulheres em Cabul perdeu seus empregos nos dias seguintes à tomada do controle pelo Talibã. Organizações financiadas internacionalmente que empregavam mulheres foram fechadas; outras foram removidas de escritórios do governo.


Ramzia Abdekhil se juntou a outros grupos on-line e começou a organizar manifestações conjuntas.


Antes de cada manifestação, os manifestantes compartilhavam conselhos sobre como esconder suas identidades e como escapar assim que os soldados do Talibão chegassem:


Mensagem em grupo anti-Talibã | Créditos de imagem: The Washington Post

A ameaça de detenção e o estigma social associado são particularmente intimidante para as mulheres afegãs e provou ser eficaz em parar rapidamente os protestos em áreas mais conservadoras.


"Vivemos em uma sociedade em que as pessoas espalharão rumores de que o Talibã fez algo com você", disse Abdekhil, fazendo alusão à suposição de que as mulheres são agredidas sexualmente quando detidas ou presas — o que, muitas vezes, é verdade.


Em fevereiro de 2022, prisões em massa começaram a acontecer, e os manifestantes passaram a limpar seus celulares: fotos, vídeos, mensagens e contatos foram deletados, e a própria Ramzia Abdekhil excluiu seu grupo, mudou de número e se escondeu por um mês.


Os ativistas que seguiram mesmo com a repressão tão agressiva, viram o movimento diminuir.


"Lembro-me de olhar para o meu telefone, e não havia quase nada. Eu costumava receber tantas mensagens todos os dias, mas depois das prisões, as mulheres começaram a deixar os grupos", lembrou Shahlla Arifi, ativista de 44 anos.


A ativista Shahlla Arifi | Créditos de imagem: Lorenzo Tugnoli/The Washington Post

Arifi é mãe de cinco filhos e tem mestrado em estudos de gênero pela Universidade de Cabul. Ela passou anos tentando se juntar ao governo, visando melhorar a vida das mulheres. Quando o ministério foi dissolvido pelo Talibã, se sentiu perdida, mas, mais do que isso, sentiu que o futuro das mulheres estava ameaçado.


Em março de 2022, as meninas foram proibidas de frequentar a escola. Em maio, as mulheres foram condenadas a cobrir da cabeça aos pés em público e ordenadas a sair apenas acompanhadas por um homem.


Munisa Mubariz, uma ativista de 31 anos, trabalhou no Ministério das Finanças antes da tomada do Talibã. Ela aconselhou organizações sobre o fortalecimento da sociedade civil e a promoção dos direitos das mulheres, mas nunca foi às ruas sozinha.


Mubariz ajudou a planejar, no Dia Internacional da Mulher de 2022, um pequeno protesto, que foi dissolvido pelo exército do Talibã em poucos minutos.


Com o perigo nas ruas, algumas mulheres afegãs começaram a realizar protestos em casa, escondendo suas identidades, mas enviando imagens dos encontros para organizações da mídia.


Créditos de imagem: AP/Hussein Malla

Na manhã de 13 de agosto, dezenas de mulheres marcharam juntas, carregando placas desenhadas à mão, exigindo seus direitos. Mas, assim que chegaram ao centro de Cabul, a manifestação foi interrompida por combatentes do Talibã. Em poucos minutos, elas estavam cercadas.


Dias depois, o Talibã realizou sua própria reunião pública em Cabul para marcar um ano no poder. Centenas de lutadores estavam nas ruas, cantando "Vitória! Liberdade!" e levantando suas armas para o céu.


Execuções, desaparecimentos e violações de direitos


As Nações Unidas relataram que o exército do Talibã foi responsável por quase 40% dos mortos e feridos civis nos primeiros seis meses de 2021. Mulheres e crianças representaram quase metade de todas as vítimas civis. Os ataques do ISKP (o braço afegão do Estado Islâmico) incluíram homicídios e uma série de ataques letais.


Talibã e ISKP assassinaram alvos específicos, incluindo funcionários do governo, jornalistas e líderes religiosos. Em 17 de janeiro de 2021, homens armados não identificados mataram, a tiros, duas juízas que trabalhavam para o tribunal superior do Afeganistão.


Em 8 de maio de 2021, três explosões em uma escola em Cabul mataram cerca de 85 pessoas, contando 42 meninas 28 mulheres, e feriram mais de 200 outras.


As forças do Talibã também assassinaram dezenas de ex-oficiais e membros das forças de segurança em diversas províncias.


Em agosto, um atentado suicida do ISKP no aeroporto de Cabul matou 170 civis, incluindo muitos afegãos que tentavam fugir do país.



O Talibã declarou apoiar a educação de meninas e mulheres. No entanto, em 18 de setembro, ordenou a reabertura de escolas secundárias apenas para meninos. Algumas escolas secundárias para meninas posteriormente reabriram em algumas províncias, mas, até outubro, a maioria estava fechada. Em 29 de agosto, o ministro interino de Educação superior declarou que meninas e mulheres poderiam ter acesso à educação superior, mas que não poderiam estudar com meninos e homens.


Mulheres que deram aulas a meninos em classes superiores à sexta série ou a homens em turmas mistas em universidades foram demitidas, porque não é mais permitido que mulheres lecionem a homens.


Em setembro, o regime do Talibã encerrou o Ministério dos Assuntos da Mulher, criando, em troca, o Ministério para a Promoção da Virtude e Prevenção do Vício, uma instituição encarregada de impor regras sobre o comportamento, sobretudo como as mulheres se vestem e quando ou se podem sair de suas casas sem a companhia de um familiar do sexo masculino. Abrigos criados para mulheres que fugiam da violência foram fechados, e algumas das residentes foram transferidas para prisões femininas.


Em 21 de dezembro de 2020, Rahmatullah Nekzad, chefe do sindicato dos jornalistas de Ghazni, também havia sido morto a tiros enquanto ia de sua casa para uma mesquita local. Embora o Talibã tenha negado a responsabilidade pelo ataque, Nekzad já havia recebido ameaças de comandantes locais do Talibã.


Após a tomada do poder pelo Talibã, quase 70% de todas as agências de notícias afegãs foram fechadas e outras operavam sob ameaça e autocensura. Em setembro, as autoridades do Talibã impuseram duras restrições à imprensa e à liberdade de expressão, incluindo proibições de "insultar figuras nacionais" e reportagens que poderiam ter um "impacto negativo na opinião pública".


Quase 60% dos jornalistas operando antes da retomada do poder pelo Talibã deixaram a atividade. De acordo com a organização Repórteres Sem Fronteiras, as jornalistas mulheres foram mais atingidas: 76% delas perderam o emprego.


Proporção de jornalistas mulheres que perderam seus trabalhos desde a retomada do poder pelo Talibã. Das 2.756 mulheres jornalistas e profissionais de mídia empregadas no Afeganistão antes de 15 de agosto de 2021, apenas 656 ainda estavam trabalhando em agosto passado, sendo 85 % na região de Cabul.

Em maio de 2022, as jornalistas e repórteres do país foram obrigadas a cobrir seus rostos durante transmissões. Com a sanção, apenas seus olhos podiam estar visíveis.


As jornalistas resistiram e protestaram, mas tjveram que ceder, ou por medo ou por ordens das empresas de mídia para as quais trabalham.


Créditos de imagem: Wakil Kohsar/AFP

Pais, maridos ou guardiões masculinos das jornalistas que se recusassem a cobrir o rosto também sofreriam penalidades — assim como os executivos de TV.


À época, em apoio às colegas, jornalistas homens apareceram na TV com os rostos cobertos por máscaras, em um protesto arriscado contra as determinações do Talibã.


As emissoras também foram proibidas de exibir filmes e séries protagonizados por mulheres.





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