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  • Foto do escritorHellica Miranda

Queimadas vivas, santas ou místicas: da Idade Média, conheça as beguinas

Grupos formavam terceiro estilo de vida para mulheres — nem freiras, nem esposas — desde o século XII.



Origem


Na Idade Média (período que compreende aproximadamente os séculos V a XV), mulheres tinham pouco livre-arbítrio na sociedade: acabavam como esposas, seriamente devotas a seus maridos, ou como freiras, ainda mais devotas a Deus.


No século XII, na região de Flandres (hoje compreendida por parte da França, Bélgica e Holanda), um terceiro estilo de vida para as mulheres passou a se desenvolver: os beguinários.


Grupos formados exclusivamente por mulheres — algumas solteiras, algumas viúvas — começaram a se formar com algumas indo viver mais próximas às outras e, consequentemente, influenciando umas às outras.


Essas mulheres eram, de fato, em sua maioria, religiosas que não haviam consagrado votos públicos ou votos monásticos. Exatamente por não pertencer a nenhuma ordem religiosa, as beguinas podiam, no geral, criar suas próprias regras de vivência.


Com a maioria das beguinas vivendo nas periferias das sociedades, acabavam por se dedicar a ajudar os mais pobres.


Imagem do beguinário de Dendermonde, na Bélgica.


Expansão e reconhecimento



Uma carta do papa João 22 ao bispo de Estrasburgo, na França, marcou que, em 1321, existiam cerca de duzentas mil beguinas no oeste da Alemanha. 50 anos depois, estima-se que viviam, somente em Bruxelas, na Bélgica, aproximadamente de mil e trecentas beguinas, o que representaria mais de 4% dos seus habitantes.


A ausência de votos religiosos, por exemplo, permitia que as beguinas se reunissem e organizassem em prol dos menos favorecidos e vivessem em devoção religiosa, mas não as proibia de deixar as comunidades e se casar, por exemplo.


Os beguinários eram comunidades peculiares, formadas por grupos autossuficientes que habitavam casas individuais, usualmente próximas a uma igreja.


Esses grupos eram sustentados pela crescente indústria têxtil, para a qual as beguinas forneciam lã ou confeccionavam rendas e tecidos, além daquelas que trabalhavam em serviços domésticos e jardinagem, por exemplo.


Seu dia a dia misturava o senso de coletividade e a devoção religiosa à independência e ao trabalho remunerado. Enquanto isso, eram também costumeiras cuidadoras de doentes, sobretudo pacientes de hanseníase, em hospitais ou enfermarias próprias.


Até então conhecidas como "mulheres santas" ou "mulheres religiosas", as beguinas começaram a receber destaque na sociedade, uma vez que contavam com um privilégio não concedido a todas as mulheres, podendo circular livremente pela cidade e retornar aos beguinários ao anoitecer.


O fato de realizarem tantos feitos sociais chamava a atenção de personalidades notáveis, como o abade e escritor Cesário de Heisterbach, que declarou:


Elas vivem a vida eremítica entre as multidões, o espiritual entre o mundano e o virginal entre os que procuram o prazer. Quanto maior é a sua batalha, maior é a sua graça e maior a coroa que as espera.

O historiador e líder na Igreja Católica Jacques de Vitry, que teve próximo contato com a santa Maria d'Oignies, que fora beguina, lutou para que os grupos fossem reconhecidos pelas autoridades eclesiásticas. Sobre Maria d'Oignies, após sua morte, de Vitry escreveu "Vita Marie de Oegnies", de 1216, que foi também o primeiro relato sobre aquele novo ato de espiritualidade feminina.


Busto atribuído a Maria d’Oignies.

Para de Vitry, mulheres como d'Oignies poderiam salvar o cristianismo da heresia. Comtudo, o estilo de vida das beguinas também despertou receio na sociedade.


Sua autonomia logo mostrou-se como um desagrado a muitos, particularmente aos homens medievais — ainda que tenham sido inspirados por elas a formarem suas próprias comunidades —, além do fato da ausência de votos, o que as deixava além do controle da Igreja Católica.



Perseguição e heresia


O Concílio de Viena. | Créditos de imagem: ‘Concílio de Viena’, de Cesare Nebbia.


Durante o século XIII, então, as beguinas passaram a ser alvo de maiores perseguições e restrições. O papa Clemente V, por exemplo, acusou-as de heresia, o que fez com que muitas, à força, se juntassem a ordens monásticas reconhecidas. Outras, no entanto, resistiram à ordem, mas o movimento já havia começado a se dissolver em larga escala.


Apesar da redução e das outras restrições impostas, algumas comunidades de beguinas sobreviveram, por incrível que pareça, até o século XX. Todavia, no século XXI, seu número era baixíssimo. Cita-se que a última beguina, Marcella Pattijn, morreu em um domingo de abril de 2013, em Cortrique, na Bélgica.


Hoje, o que muito se tem historicamente sobre a fé das beguinas é graças à obra "Miroir des Simples Âmes" (em português publicado como "O espelho das almas simples e aniquiladas e que permanecem somente na vontade e no desejo do amor"), de Marguerite Porete.


Imagem atribuída a Marguerite Porete.

Escrito em cerca de 1300 em seu próprio idioma, o livro era lido por ela mesma em diferentes localidades, tornando-o um perigo por infringir as normas eclesiásticas desde o princípio (por não estar em latim) e por se tratar de uma obra de cunho espiritual.


O livro, é claro, foi declarado uma obra herética, e sua autora, presa, condenada e queimada viva por volta do ano de 1310.


Seu caso também teve duras consequências para o movimento beguinário como um todo: como parte do Concílio de Viena, as beguinas foram oficialmente condenadas à heresia.



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