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  • Foto do escritorHellica Miranda

Resenha Tardia: Tully

Filme de 2018 estrelado por Charlize Theron traz retrato honesto sobre a maternidade real, nua e crua.


Créditos de imagem: Bron Studios (Reprodução)

AVISO: Contém spoilers!



Marlo (Charlize Theron) acaba de sair de licença para dar à luz seu terceiro filho. Ela e o marido, Drew, são pais da tranquila Sarah e do tumultuado Jonah, que tem dificuldades de desenvolvimento ainda não diagnosticadas.


A realidade de Marlo é completamente diferente da vida de seu irmão, o bem-sucedido Craig, que oferece a ela um luxo com o qual, em outras condições, Marlo não poderia arcar: uma babá para cuidar do recém-nascido durante a noite.


Só quero minha irmã de volta. Parece que, nos últimos anos, alguém abafou a chama.

Créditos de imagem: Bron Studios

Inicialmente, Marlo rejeita a ideia, mas, conforme sua rotina já atribulada se torna ainda mais caótica após o parto — resumida em choros, trocas de fralda e muitas noites em claro — e ela se vê à beira de um colapso mental, acaba aceitando o presente do irmão e levando à vida da família a promissora — mas "esquisita" — babá Tully.


"Você parece uma ótima mãe" "Ótimas mães organizam festas de turma e noites de cassino. Fazem cupcakes que parecem Minions. Coisas que estou cansada demais para fazer. Até me vestir me dá um cansaço danado"

A figura de Tully parece representar o sonho de toda mãe que, sozinha, lida com as principais responsabilidades sobre os filhos e a casa: ela cuida do bebê, limpa a casa, faz cupcakes, serve como bons ouvidos para os problemas que Marlo extravasa e auxilia em uma melhora significativa sobre a dinâmica familiar dos Moreau.


Marlo parece recuperar uma disposição que nem mesmo chega a ser apresentada a quem assiste — ela já exala exaustão nos primeiros segundos da história. O "efeito Tully" é global sobre a família, mesmo que a maior parte desta nem sequer a conheça, já que a jovem chega tarde da noite e parte ao amanhecer.


A maternidade, no filme, não é representada sob camadas e mais camadas de idealização e romantismo. Pelo contrário: ilustrada entre os cômodos da casa bagunçada de Marlo e seu visual exausto, a beleza ali parece extremamente distante.


Mas é uma característica das obras de Diablo Cody — a roteirista do filme, que também assina a história de Juno (2007) e Jovens Adultos (2011) — representar a realidade o mais próximo possível de como ela é, mesmo que sua aparência seja dura.


Mães não são frutos de histórias de magia, personagens maquiados pela utopia do amor incondicional como remédio a todos os problemas, vivendo em extrema felicidade apenas em prol da beleza da dádiva proporcionada pela natureza ao gerar outros seres humanos: elas são, além de mães, indivíduos com sua própria essência, dotados de vontades, desejos, necessidades e problemas tão reais quanto os filhos que carregam. E 'Tully' parece acertar no tom que utiliza para passar essa impressão, afinal de contas, quantas mulheres não conhecemos na mesma situação?


Marlo certamente ama o marido, Drew, e o sentimento é recíproco, mas quanto de seu relacionamento se perdeu mediante os deveres e obrigações no cuidado dos filhos? Para ela, educá-los, mantê-los efetivamente vivos; para ele, prover o sustento necessário para que isso aconteça, a representação da realidade historicamente construída pelo sistema patriarcal que rege a maioria das sociedades.


"Ele gosta de ser pai?" "Claro. Do jeito que pais gostam. Ele dá duro no trabalho, e volta para casa. Faz o dever de casa, as leituras, tudo isso. Fazemos almoços juntos. Aí ele sobe, coloca os fones de ouvido, mata zumbis e apaga".

Créditos de imagem: Bron Studios

Olhando para Tully, Marlo vê lampejos de si mesma quando jovem, e a identificação é, essencialmente, crucial para o desenvolvimento da relação entre elas, que também se mostra, de certa forma, como um fenômeno problemático, mas que, no final das contas, traz um resultado inegavelmente bom.


O supracitado "efeito Tully" traz um irrefutável resgate à autoestima de Marlo, que, consequentemente, sente-se mais apta e disposta a realizar seu papel de mãe e esposa. Ela nunca foi uma mãe ruim — ou uma esposa ruim —, só estava perdida de si mesma, de sua própria essência, e é necessária uma força externa para reaproximá-la de si mesma.


Você não pode ser uma boa mãe se não cuidar de si mesma.

Para Marlo, esse reencontro vem através de uma noitada em seu antigo bairro, regada a álcool e muitas músicas nostálgicas. Revisitar o passado parece, para ela, a única forma de encarar o futuro, ainda que o processo não seja exatamente gradual, mas aconteça através de um choque: é preciso ultrapassar o limite para que Marlo percebe, de uma forma extremamente dolorosa, que era exatamente ali que estava, no limite. É preciso que venha do outro, como um diagnóstico, para que ela — e aqueles imediatamente ao seu redor — reconheçam que a exaustão extrema e as inúmeras privações a que estava se submetendo poderiam tirar dela o que mais amava.


É preciso bater de frente com um ponto final e mergulhar na incerteza para que ela e sua família encontrem uma maneira de desenhar uma vírgula em sua história e, só assim, seguir adiante com os desafios que ainda surgirão em seu caminho, seja individualmente ou como família.



'Tully' está disponível na plataforma de streaming da HBO Max.





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